O trabalho de pesquisa com pessoas que residiram na zona rural de Palmital viabiliza a construção cronológica de eventos que permeiam as transformações socioeconômicas do referido município localizado a sudoeste do estado de São Paulo.
O início da colonização de Palmital ocorreu no final do século XIX, com a chegada do pioneiro João Batista de Oliveira Aranha. Entre os anos de 1915 a 1920, houve um grande fluxo de espanhóis que migraram da cidade de São Manuel, região central do estado de São Paulo, para a zona rural de Palmital, a fim de trabalhar no cultivo do café.
Nos anos 40, teve início a formação de um pequeno povoado próximo às propriedades rurais adquiridas pelos referidos migrantes espanhóis, o qual recebeu o nome de Espanholada.
O riacho que cortava as terras das propriedades recebeu o nome de Água da Espanholada, onde, segundo um documento histórico de José Moreno Molina, a energia elétrica chegou em 1941.
Desde então, tornou-se característico na região o sotaque castelhano e os sobrenomes de famílias de origem espanhola, que fixaram residência na área rural e escreveram parte da história de Palmital: Pineda, Parrallego, Lopez, Hildalgo, Gutierrez, Moreno e Gonçalez.
Nos anos 60, a Espanholada contava com uma população de aproximadamente 500 habitantes e com alguns estabelecimentos comerciais: 03 Armazéns, 02 Máquinas de Arroz, 01 Cinema, 01 Posto de Gasolina, 01 Açougue, 01 Barbearia e 01 Farmácia.
No povoado não havia Hospital ou Posto de Saúde. As pessoas que nasciam na Espanholada vinham ao mundo pelas mãos de Raphaela Ortega Pineda, parteira conhecida e respeitada no local.
Alzira Domeni Correia é um exemplo de pessoa nascida no bairro. Nasceu em 29 de dezembro de 1941, filha de Francisco Paco Domeni, espanhol que chegou ao Brasil aos sete anos de idade. Na Espanholada, ele comprou terras, casou-se, criou os filhos e viveu até o dia de sua morte. Alzira nasceu e viveu sua infância no povoado; casou-se com Antônio Correia Filho, e teve três filhos: Aparecida, Neiva e Édio. Assim como Alzira, as filhas também vieram ao mundo pelas mãos da parteira Raphaela Ortega Pineda.
Edgard Sillos Nogueira chegou a Palmital em 1942. Começou a trabalhar aos 14 anos de idade com o avô materno, o farmacêutico José Eugênio de Sillos, o que lhe garantiu experiência para trabalhar em farmácia. De 1958 a 1965, Edgard foi proprietário de uma farmácia na Espanholada e se tornou uma fonte viva da História do povoado. Edgard revela que a decisão de construir uma Igreja na comunidade foi anunciada pelo sistema de alto-falante local. A Igreja Nossa Senhora das Graças foi construída em terreno doado por José Atêncio e a empreita da obra ficou sob a responsabilidade de Miguel Rodrigues Montez que, segundo a descrição do farmacêutico, era um homem de grande talento e capacidade técnica para produzir e consertar equipamentos. Edgard conta ainda que a Espanholada oferecia algumas opções de lazer para os moradores. O Cine América, por exemplo,funcionava em espaço multiuso, cuja tela era içada ao teto e o espaço transformava-se em uma gancha de bocha ou em um salão de baile. Também era comum a instalação de circos e de arenas de touradas nas proximidades do estabelecimento comercial do Anacleto Finotti. Ainda segundo o farmacêutico, havia uma concorrência acirrada entre os empresários Américo Damini e Anacleto Finotti, que disputavam a preferência dos consumidores locais.
As festas religiosas e as quermesses movimentavam intensamente as cercanias da Igreja. Houve um determinado evento festivo na época que atraiu muitas pessoas. Era tanta gente que foi necessário fazer duas fotografias para registrar o evento na escadaria da Igreja: uma foto com os homens e uma foto com as mulheres. Não foi possível enquadrar todos os participantes em uma única chapa fotográfica.
A família Damini deixou registros históricos relevantes na comunidade. Abílio Damini aventurou-se na política, concorrendo à vereança ao lado do candidato a prefeito, Manoel Leão Rego.
O colégio eleitoral na Espanholada despertava o interesse de políticos que buscavam votos. Em registros fotográficos da época, é possível observar a presença de grande número de pessoas em um comício que aconteceu em frente à Venda do Damini.
A inauguração da Praça do Lavrador, em 1968, e posteriormente da Escola, revelam o interesse da Administração Pública Municipal no local.
O filho de Abílio Damini, Abílio Antonio Damini, nasceu em 1954, também pelas mãos da parteira Raphaela, e viveu por décadas no povoado. Na adolescência, interessou-se pela locução do serviço de alto falante local, que funcionava como uma rádio comunitária, com informe, publicidade e utilidade pública. A vivência com a mídia local fez com que Abilinho passasse a ser o DJ dos bailes juvenis e um exímio colecionador de discos dos mais variados gêneros músicas. Sua discoteca, entre LPs e CDs, conta com mais de 13 mil títulos.
O Espanholada Futebol Clube também é um orgulho para muitos moradores que fizeram parte da equipe alviverde. A cor verde do uniforme era uma referência aos cafezais. Para José Moreno Molina, nascido no povoado em 1939, defender o gol do time foi uma das maiores alegrias de sua vida. A equipe dos anos 60 era considerada uma das melhores do município, rivalizando grandes jogos contra o time de Sussui. Uma das escalações mais tradicionais é o do time de 1963: Delfino Finico, Benedito Arantes, Laércio Sanches, Orlando Sanches, Chicão Lindoino e José Moreno; Filipinho, Pedrinho Albonete, Antonio Arantes, Nenê Querubim (o craque do time) e Ditinho Lindoino.
Contemporâneo de Zezinho Moreno, Lair Domeni também nasceu na Espanholada e defendeu as cores do time em uma época que o grande rival a ser batido era o Guarani. Apesar dos dois times serem muito bons, havia dois personagens marcantes que faziam os jogos serem ganhos no apito, coincidentemente, dois Toninhos: Toninho Modesto e Toninho Cassiano. “Quando Toninho Modesto apitava, a Espanholada não perdia. A mesma coisa acontecia com o Guarani, quando Toninho Cassiano era o árbitro”, comenta Laio sorrindo.
Até os anos 90, os alunos do povoado e das imediações frequentavam a Escola Estadual Rural de 1º Grau do Bairro da Espanholada. O Prof. José Carlos Moreira da Silva respondeu pela Direção da Escola de 1989 a 1996 e conta que a unidade escolar funcionava em três períodos, atendendo a alunos adultos no período noturno.
No final do século XX, a referida escola foi extinta e os alunos foram transferidos para as escolas da cidade, cujo transporte escolar ficou sob a responsabilidade da Administração Pública Municipal. Embora desativados, os prédios das duas escolas que funcionavam no povoado ainda fazem parte da paisagem e da lembrança de muitos.
A decadência da Espanholada ocorre na década de 70. As transformações tecnológicas da produção agrícola, a erradicação dos cafezais, associadas às mudanças da legislação trabalhista rural, motivaram um intenso êxodo rural. As lavouras de café foram substituídas gradativamente pela soja e pela cana de açúcar, o que gerou a saída de moradores das áreas rurais de Palmital, inclusive da Espanholada, com destino à cidade.
Atualmente, a Espanholada ainda apresenta evidências de seu passado glorioso: a Igreja foi restaurada recentemente e destoa das demais construções; o Posto de Gasolina, as Escolas e a Venda do Damini são apenas registros de um tempo áureo; o Campo de Futebol, que enchia aos domingos com gente de todas as idades, não existe mais, a cana substituiu a cancha futebolística.
Letícia Amaral é uma das poucas pessoas que nasceram e continuam morando no local. Sua casa é ao lado da antiga e desativada Venda do Damini. A moradora afirma categoricamente que gosta do lugar e que não pretende sair de lá por nada.